Lúcio de Araújo. Dissolução. 2016

Lúcio de Araújo

Lúcio de Araújo. Dissolução. 2016. Série Revoluções Mínimas. Arte Digital. Gif Animado.


Lúcio de Araújo. Cápsula de navegação - Plano Capital. Série Revoluções Mínimas. 2015

Lúcio de Araújo. Cápsula de navegação – Plano Capital. Série Revoluções Mínimas. 2015


Manifesto:

Sobreposição das águas

Consta que o plano foi exitosamente executado. Para conter a passagem da água foi necessária uma muralha que engoliu dezenas de milhões de metros cúbicos de pedra, engenhosamente empilhados e suficientes, até que os morros dessem finalmente as mãos no vasto vale. Sintonizados ao fluxo hídrico entoamos nosso canto anárquico ao passo que um novo mapa se desenha. As águas sobem ao nível planejado celebrando o término da última era cultural (a previsão é de que atinja a linha do horizonte). Soberba planificação em forma de espelho d’água. Mergulhamos de cabeça no reservatório que arbitrariamente forjamos como demonstração de força. Convictos, fluímos ao movimento das ondas dando vida ao ritual de lucidez da existência e que será considerado de agora em diante um ente vivo esplêndido, sagaz. Uma vez que a velha ordem se auto aniquilou, nadamos contentes sobre suas ruínas, em poucos instantes todos os panópticos, mastros e bandeiras estarão submersos, já não são mais necessários, afinal nos libertamos dessa canalhice toda. O hábito entrou em crise. Declaramos impiedosamente: Estado Alagado! A cidade está arquivada. Um brinde às novas possibilidades, à quebra dos vínculos. Como um suspiro cósmico eis que nasce agora outra lógica – incansável – inundando todos os espaços possíveis, penetrando pelas frestas. Movimento de pura astúcia líquida.
A margem se adianta, o território se reconfigura e na medida em que o lago se amplifica vagamos inconformados em busca de saciar a sede do mundo. Corpos umedecidos, nossas identidades se dissolvem. Percebemos que em cada segundo há um abismo, composto de infinitos déjà vus, plenos de vigor. Jorros simultâneos, geradores de mais e mais devires lagos, com propriedade de fender o presente embrutecido e estacionário. Sentidos aguçados, seguimos nossos instintos. Do momento oportuno criamos nossas rotas de fuga, o desejo é navegar, todo o além nos interessa. É preciso estar atento, pois após o dique há uma queda, igualmente necessária, a fim de dar conta dos excessos, vazão aos desejos, fluência da mudança em ritmo próprio. Outros lagos acontecem para além dessas margens, estão conectados por inúmeros afluentes que se resolvem cada qual à sua maneira, afinal o terreno é amplo e fácil de se perder. Nesse outro tempo o dentro e o fora são permeáveis, indiscerníveis. Viveremos passo a passo, segundo as intensidades, no incomum do necessário. Agora a antena mais alta está submersa e as últimas caravanas já partiram em busca de novos abrigos. Sobrevivência requer adaptação. Tempo aqui é areia. Sob nossos pés a história de uma civilização. A memória balança e o esquecimento é nosso direito. O campo da probabilidade abre para nós o caos – Derivamnese. Nessa reminiscência o devir do novo tempo, quem sabe, continuará a nos surpreender.
Lúcio de Araújo e Claudia Washington. Plano de inundação da capital. 2012.